Eu queria que esse blog fosse um diário de pesquisa. (In)Felizmente, a pesquisa não me tem dado tempo para ter um blog. Blogs exigem certo compromisso com um público (virtual, literalmente) e, embora seja uma escrita mais relaxada do que a acadêmica, precisa ter certa restrição no conteúdo. Afinal, se eu faço pesquisa, existe todo um sistema ético e de confidencialidade que não me permite postar tudo o que faço.
O simples fato é que escrever é muito difícil. Bom, produzir é muito difícil.
Há alguns meses, percebi que estava me afogando em produtos que nunca saíam no prazo, ou que não saíam como deveriam, e comecei a questionar ferozmente meu processo de trabalho. Ou melhor, o processo de sentar para trabalhar e simplesmente olhar pra tela sem saber como começar.
É mais ou menos o que acontece com esse blog aqui, também.
Decidi fazer um
curso de organização pessoal, com a ideia de que seria uma espécie de medicina: uma consulta, um diagnóstico (a doença, suas causas e sintomas) e um tratamento {
de preferência, medicamentoso}, e pronto: eu começaria a produzir insanamente. O problema é que a vida não parou para que eu me tratasse, eu não pude tirar licença dos meus papéis na vida pra me tratar do luto (mais sobre isso depois), da inércia produtiva e da desorganização. Mas eu precisava, ainda no início do Doutorado, achar uma solução – e bem antes que os prazos acabassem de me matar.
Eu sou {era? Jamais saberemos} uma pessoa muitíssimo desorganizada. Caderno, tablet, agenda, software, aplicativo, calendário, computador, smartphone e a porra toda, e mesmo assim eu não conseguia produzir. Aparentemente, meus pensamentos e processos são uma zona, assim como é a sala da minha casa {não é mera coincidência, não, fique sabendo}. E a desorganização abriu um ralo por onde meu tempo escorria e, muitas vezes, estancava devido a algum entupimento – bagunça entope.
Mas eu me vejo hoje, como pesquisadora, num paradigma no qual eu tenho tanto espaço pra onde crescer que, invariavelmente, eu precisaria de roupas novas. De sapatos e uma casa nova, sem vazamentos ou entupimentos. {valei-me, estou ficando confusa, peço perdão pelo vacilo, mas é impressionante como uma mudança de paradigma, de posição, é capaz de abrir certas portas que nem se imaginava existirem}.
O curso de organização e o início do meu processo de desenvolvimento de um sistema pessoal de organização coincidiram com o período de desenvolvimento da minha metodologia de pesquisa. Acabei, naturalmente, dando as mãos aos dois processos e deixando que eles acontecessem simultaneamente. Não foi nada parecido com medicina {ainda bem}.
A verdade é que organização e metodologia são, essencialmente, a mesma coisa.
- Tópico: tem um assunto que você curte, se interessa {prioridades}.
- Problema: naquele tópico, tem uma coisa que te deixa curioso, que te incomoda {desorganização, talvez?}.
- Revisão de Literatura: aqui, você tenta de tudo {caderno, tablet, agenda…}, mas não existe uma solução pronta. Tá tudo desorganizado e nebuloso e você descobre que vai ter que arrumar isso sozinha.
-
- Questões ou objetivos de pesquisa: ali onde você leu {a literatura ou a sua vida}, descubra onde estão as falhas. Faça pergundas sobre elas. Pense no tijolo que vai fechar aqueles buracos.
- Ambiente: é o cenário onde se encontra o problema e, consequentemente, onde você vai trabalhar {casa, trabalho, comunidade… lista infinita}.
- Aqui vem um exercício que nunca terá fim: pensar em quem é você nesse ambiente e em relação às outras pessoas – seu papel nesse cenário. Na epistemologia contemporânea a gente chama isso de Reflexividade e Posicionalidade.
- Estratégias: como eu vou alcançar aqueles objetivos e responder àquelas questões.
- E descortina-se um rol imenso de perguntas e tarefas atreladas:
-
- O que eu preciso saber?
- Como vou saber isso?
- Como processo essa informação? Quais são as ferramentas ideais?
Mais importante do que usar a tecnologia, as ferramentas certas, é preciso começar com as perguntas certas. Eu me perguntei por que não conseguia ser produtiva, porque os deadlines sempre me faziam sofrer tanto. E pensei num sistema {uma metodologia}, que começou com o reconhecimento dos buracos por onde meu tempo vazava. E criei pequenos rituais diários, lembretes constantes, hábitos novos que agiriam contra hábitos velhos e nocivos {estratégias}.
Numa boa pesquisa, suas perguntas mudam constantemente, gerando mudanças também na metodologia. É que você não pode parar de ler nunca, senão perde o bonde. A ciência está sempre mudando, assim como sua vida. Então o sistema tem que ser revisto sempre mas, pra isso funcionar, a aplicação das estratégias tem que ser diária.
Na prática, eu comecei a listar tudo o que tenho que fazer, agendar todos os compromissos e me comprometer com as duas listas. Apenas isso. Regularmente, criar bolsões de tempo pra cada coisa, como se cria espaços pra cada objeto numa sala – por isso eu tento sentar e planejar toda semana e todo dia. E pra não ficar parecendo uma acumuladora, tirar da lista tudo o que importa menos, assim como quando você vai limpar o guarda-roupa {e isso te faz pensar no que importa, viu}.
{Eu acho que minha mudança pra Inglaterra incutiu em mim essa cultura de acabar com a acumulação, porque eu tive que priorizar de maneira quase cruel pra que minha vida viesse inteira comigo. E ela veio.}
Esse sistema não tá pronto ainda. Bom, nem minha pesquisa está. Eu tenho uma segunda qualificação chegando, e nela eu vou testar um dos sistemas (a metodologia de pesquisa). Ainda não tenho dados e nem resultados, mas esse processo é tudo menos infértil: eu nunca soube tanta coisa como sei hoje, sobre mim mesma e sobre minha área. Muitas coisas mudaram, mas uma coisa permanece fresca todos os dias: o quanto a Academia me inspira, o quanto uma aula é um vento fresco na minha cara, o quanto um texto bem escrito – embora ainda difícil – me deixa orgulhosa.
{Quem sabe esse processo todo ajude esse blog a ficar mais produtivo, também… mas só depois da qualificação.}